MENU

Artigo Padre Matias Soares: A Igreja de Natal na mudança de época

SEGUNDA-FEIRA
7 JULHO
A Igreja de Natal está tendo a oportunidade de fazer opções pastorais com a vivência do seu primeiro Sínodo Arquidiocesano. Ele precisa ser um evento qualificado. Precisa tomar distância das superficialidades da cultura contemporânea; mesmo tendo a intenção metodológica de dialogar com ela. O seu conteúdo está na “Alegria do Evangelho”, como tão belamente nos descreveu o saudoso Papa Francisco. Os fundamentos do que a Igreja Particular de Natal é chamada a recepcionar está programaticamente no texto do pontífice jesuíta. O Sínodo é uma possibilidade única de rezarmos na intenção de uma profunda conversão pastoral, que logo após a V Conferência de Aparecida foi tão conclamada; mas depois olvidada e deixada por debaixo do tapete, como outras situações adversas e complexas. É tempo de ousadia e coragem, com discernimento espiritual para acolher tenazmente o que o Espírito está a dizer a nossa Igreja Local (cf. Ap 2,7). Não é tempo de devaneio megalomaníaco, nem eventos de massas para a mídia vê. A Igreja de Natal necessita lançar-se às águas mais profundas da história, vendo os sinais dos tempos e focando o olhar de mãe e mestra no ser humano, com sua ecologia integral (cf. LS, cap. IV).
Inserida numa nova conjuntura local e global, marcada pela “ditadura do relativismo”, como nos descrevia Bento XVI, numa supremacia dos direitos individuais, com suas subjetividades; num pós-humanismo simbiótico entre o que é humano e a máquina; o início da Era da educação 5.0, através da inteligência artificial; a crise climática, com seus agravamentos constantes; as indagações postas às finalidades das instituições, a começar das famílias; as doenças mentais e suas consequências existenciais para todos, a começar dos jovens; os nacionalismos, com suas repercussões para a geopolítica global; as desigualdades sociais que afligem a maior parte da população mundial; as guerras que matam milhares de pessoas, principalmente os inocentes; os discursos de ódio e intolerância agravados pela força desorientada das mídias digitais; a liquidez das relações humanas, como forma de subterfúgios diante dos dramas destes variados ordenamentos sistêmicos e assim por diante. A Igreja Particular de Natal está inserida nesta realidade pessoal, institucional e ecológica. A capacidade de inteligir estes fenômenos exige de todos nós, de modo sinodal, oração e estudo.
Diante destas configurações temos que fazer escolhas. Necessitamos traçar metas e percorrer caminhos, atentos àqueles princípios teóricos e antropológicos, quando trata do bem comum e a paz social, colocados pelo Papa Francisco, a saber: o tempo é superior ao espaço; a unidade prevalece sobre o conflito; a realidade é mais importante do que a ideia e o todo é superior à parte (cf. EG, 217-237). Esses fundamentos podem ser aplicados à análise dos desafios pastorais dos nossos tempos. No processo de escuta, também querido pelo Papa Francisco (cf. EG, 154-155), que acontece durante o Sínodo, teremos a oportunidade de tomar estes princípios e colocá-los à disposição para a construção eclesial de um plano de ação missionária e pastoral, que efetivamente e afetivamente nos leve a fazermos uma ‘opção fundamental’ de serviço samaritano, acolhedor, livre e pobre por todos que fazem parte do “povo fiel de Deus”. Longe de nós estarmos a disputar adeptos para nossas paróquias, novas comunidades, congregações e outras instituições eclesiásticas, entre nós mesmos; nem pensarmos que fazer pastoral é meio à autorreferencialidade e enriquecimento material. Neste sentido, temos que ter muito cuidado com as situações em que as pessoas tornam-se seguidores de padres e não vivem a maturidade eclesial para uma autêntica eclesialidade. Isso tem que ser visto, quando das transferências dos padres midiáticos e que fazem com que a Igreja viva em função dos seus narcisismos e funcionalismos; e não do anúncio do Reino de Deus. Estes são funcionários do sagrado que, “aparentemente”, fazem bem à Igreja.
O censo de dois mil e vinte dois nos trouxe revelações estatísticas que deveriam chamar à nossa atenção. Temos que rever a nossa metodologia pastoral. Deveríamos meditar o que nos ensinara o Papa Francisco quando admoestava:“prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’” (cf. Mc 6, 37; EG, 49).
A partir desta santa provocação do Papa Francisco, rezamos, fazemos um exame de consciência de como estão as nossas pastorais? De como as nossas estruturas estão sendo transformadas para fazermos valer um forte impulso missionário, que é antes de tudo uma mentalidade de fazer acontecer a proclamação do Reino de Deus? Com sinais principescos e autoritários, sem o testemunho da escuta de todos, com sonegação do que de fato acontece, sem reta intenção e amor à verdade, não haverá conversão. A “Igreja em Saída” é uma construção testemunhal e que precisa comprometer a todos. A sinodalidade e a missão caminham de mãos dadas. O estilo sinodal, antes de tudo, nos prepara à missão. Quem conduz os caminhos orgânicos do Sínodo já sinaliza o que poderemos querer, ou não, do evento eclesial. As periferias geográficas e existenciais são pessoas, são vidas e são histórias que precisam ser atraídas pela força maravilhosa do Evangelho.
O estilo sinodal e a dimensão missionária são os trilhos pelos quais deve trafegar a nossa Igreja Particular, com suas muitas derivações pastorais e dialógicas. Sobre a questão missionária, afirma Francisco:
“A atividade missionária ‘ainda hoje representa o máximo desafio para a Igreja’ e ‘a causa missionária deve ser (…) a primeira de todas as causas’. Que sucederia se tomássemos realmente a sério estas palavras? Simplesmente reconheceríamos que a ação missionária é o paradigma de toda a obra da Igreja. Nesta linha, os Bispos latino-americanos afirmaram que ‘não podemos ficar tranquilos, em espera passiva, em nossos templos’, sendo necessário passar ‘de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária’. Esta tarefa continua a ser a fonte das maiores alegrias para a Igreja: ‘Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão’” (cf. Lc 15, 7; EG, 15).
Essa caminhada missionária tem uma opção fundamental, que não é excludente, nem de negação do outro. Contudo, por serem os excluídos pelas estruturas de pecado da nossa história humana, os pobres e miseráveis têm um lugar primordial no coração de Deus e devem ser os lugares pastorais privilegiados da Igreja. Sem a opção pelos pobres, a Igreja trai o estilo de vida do seu Fundador (cf. Lc 4, 18). Em alguns contextos, ainda tem espaço às narrativas de que existem “padres dos ricos e para os ricos”. Onde foi construída essa noção? Isso é delicado e deveria nos deixar perplexos. Por isso, o que temos pela frente é a urgência da reconfiguração pastoral que nos traga questões sérias e que aprofundem o nosso jeito de ser Igreja no contemporâneo, como uma Era de transições. No decorrer dos tempos recentes, houve quem fortaleceu um catolicismo burguês, sem transito de radicalidade evangélica que, em nossos dias, encontra lastro e personalidades que o retroalimentam, sem nenhuma rubridade. Seguindo ainda as perspectivas de Francisco, somos evocados a ter presente o seguinte desafio pastoral:
“Se a Igreja inteira assume este dinamismo missionário, há de chegar a todos, sem exceção. Mas, a quem deveria privilegiar? Quando se lê o Evangelho, encontramos uma orientação muito clara: não tanto aos amigos e vizinhos ricos, mas sobretudo aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, ‘àqueles que não têm com que te retribuir’ (cf. Lc 14, 14). Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem esta mensagem claríssima. Hoje e sempre, ‘os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho’, e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos!” (cf. EG. 48).
Enfim, nesta ordem sistêmica e marcada por complexidades pessoais e institucionais, a Igreja Local de Natal, através de todos os seus sujeitos eclesiais, suas organizações e patrimônio histórico, com uma maioria da população potiguar ainda católica - sessenta e sete por cento - tem uma grande responsabilidade pastoral e social em nossos dias. Todavia, tudo passa pela fidelidade ao Evangelho de Jesus Cristo. Vivendo o nosso Sínodo, precisamos ser dóceis ao Espírito Santo. Não podemos ficar nas formalidades infecundas e atávicas. Podemos fazer mais e com autenticidade se formos discípulos missionários de Jesus Cristo. A conversão é para Todos! Todos! Todos! Assim o seja!
Pe. Matias Soares
Pároco da paróquia de Santo Afonso M. de Ligório
Natal-RN

Nenhum comentário:

Postar um comentário